segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Aborto Espontâneo : minha experiência

Durante estes dias difíceis, entre descobrir que minha gravidez de 11 semanas já não mais evoluía e hoje - que fiz a última US pós-curetagem, constatando que está tudo bem e logo poderei ter uma nova gestação- minha maior fonte de informação foram os depoimentos online de mulheres de várias partes do mundo, idades, credos e raças, que passaram por uma -ou algumas- situações semelhantes. De igual mesmo, acredito, apenas a dor.

Mas se a Internet não pode ser fonte segura do que vai ou não acontecer, do que pode ou não ser e como - devemos SEMPRE consultar um médico pessoalmente a respeito de nossa saúde - realmente uma coisa pude confirmar: de que cada caso é um caso. Ler tantas e tão diversas experiências foi bom para mim. Na mais simples das análises, fez com que me sentisse menos sozinha. Por isso, decidi contar também um pouco da minha experiência. A parte física, que mais provoca medo e dúvidas. Seria impossível tentar descrever o que se passa no coração e mente de uma mulher num momento como aquele.



Foi Deus que me mandou para o hospital naquela noite. Não era uma consulta de rotina, na verdade fui parar lá quase por acaso, por uma gota de sangue na calcinha que descobri mais tarde ter saído de um pequeno ferimento externo. Na minha primeira gravidez, sim, tive sangramentos e perdas de líquido significativas, passei por dificuldades no prmeiro trimestre, mas eram outros tempos, eu vivia uma época de stress e abusos: bebia, fumava, não cuidava da alimentação, na verdade, pesava pouco mais de 30 kg (tenho 1,43m) e quase não dormia. Portanto, não me alarmei quando o GO de plantão me deu a guia para o US com os dizeres "ameaça de aborto". Não era a primeira vez que recebia aquilo. E olhei confiante para minha linda e saudável filha de quase 4 anos.

Minha confiança só desmoronou ao ver a ruga de preocupação do médico que fez o US. Não conseguia acreditar no que eu ouvia - no que eu NÂO ouvia. Os batimentos cardíacos do feto haviam cessado. Não havia movimentos.

Nos dias seguintes, rezei por um milagre que não veio. A segunda US confirmou minha tristeza. Choveu muito lá fora e dentro de mim.

A GO então apresentou-me as opções: eu poderia esperar - um máximo de 15 dias - pela expulsão natural dos produtos da gestação ou internar-me imediatamente para a indução e possívelmente uma curetagem. Dra. Evelyn foi maravilhosa em todos os sentidos com sua informação e sensibilidade.

Explicou-me que eu poderia ir tranquilamente para casa e aguardar, se quisesse, para que a sábia Natureza trouxesse a solução, visto que o diagnóstico do óbito havia sido quase imediato. Mas que eu deveria ir direto ao hospital assim que começasse a sangrar, para ter um acompanhamento.

Meu marido estava muito nervoso. Ele é um homem prático que muitas vezes me trouxe equilíbrio, mas naquele instante eu me dei o direito de discordar. Por decisão dele eu ficaria internada desde aquele momento, sob cuidados médicos, especializados. Acabaria de uma vez com aquele sofrimento e minimizaria os riscos. Ele me ama, quer ter outro filho. Sob sua visão, era muita coisa para arriscar.Eu compreendia isso. Mas o que ele nem ninguém poderia compreender era minha luta contra a simples idéia de "aborto". A enxurrada de pensamentos, de lembranças que me vieram, a luta física e psicológica pela minha primeira gravidez... Cada um sabe o que viveu. E eu sei o que vivi até ali para que a menção a "Cytotec" e "Misoprostrol" me desse ânsia de vômito. Quantas - e foram muitas!- que eu conheci usavam essas palavras como sinônimo de alívio, de bénção, de condescendência...Creiam-me, invisíveis leitores: conheci ALGUMAS barrigas que se foram num passe da "palavra mágica" . Cytotec me parecia o nome do próprio diabo. Não, eu SOFRI um aborto! SOFRI!! Mas na minha cabeça ecoavam vozes conhecidas: "É só usar Cytotec, não 'pega' nada..!"


Perdão se estou confundindo alguém com histórias mal contadas... Talvez isso não venha mesmo ao caso.

De volta a Dra. Evelyn...Ela me explicou que, uma vez internada, se não houvesse sangramento, primeiro seria feita a indução, com o tal Cytotec. Disse que eu sentiria cólicas muito fortes, sim, mas que a idéia era essa: expelir. Foi sincera também, dizendo que provavelmente teria de passar por uma curetagem, dado o tempo de gestação (11 semanas), mas que não me preocupasse, era um procedimento simples, feito sob anestesia geral (sedação), e que eu sequer lembraria de nada. Explicou inclusive a importância desse procedimento: limpar totalmente o útero, para evitar infecção- o que seria mil vezes pior.


-E AMIU? - perguntei, já orientada por uma amiga médica.

AMIU é um outro tipo de procedimento para retirada dos produtos de uma gestação que não evoluiu. É uma aspiração desses produtos aravés de uma cânula, como uma seringa. É um processo mais simples, menos arriscado e menos invasivo. Muito usado na rede de atendimento pública, mas praticamente inexistente na particular (por quê será..?)

-Adoro AMIU. Se houvesse dilatação no seu colo, seria a melhor solução. Mas esse hospital não trabalha com AMIU...

...e meu colo estava fechadíssimo. Quem diria. Na primeira gravidez, a briga era para ele não abrir. E agora...


Fechado, sem nenhum sangramento. E os dias passavam. Nenhuma cólica, nenhum corrimento, nenhuma dor, nada. E assim foi até quase o término do prazo de quinze dias. Num fim de tarde de sábado, ao passar o papel higiênico, notei um corrimento gelatinoso, ligeiramente marrom. Pensei: "está próximo!". Mas as horas passaram sem que nada acontecesse.

No domingo, já tarde da noite e sem nenhuma mudança além do discretíssimo sangramento, resolvi ir ao hospital. Me sentia fisicamente bem, mas estava nervosa demais. Comecei a duvidar do quão preparada eu estava para... o que fosse.

Cheguei ao hospital e logo subi para a internação. Não quis ficar num quarto privativo, achei que nem era o caso.Até porque não queria que meu marido ficasse comigo. Na enfermaria só eram permitidas acompanhantes mulheres. Cheguei sozinha, e fui atendida por uma enfermeira simpática, que se apresentou e ofereceu empatia, pois também já havia passado por o que eu estava prestes a enfrentar. Ela me pôs no soro com Ocitocina (um hormônio que produz contrações) e o primeiro comprimido de (argh!) Cytotec.

As dores começaram. Primeiro, realmente uma cólica bem forte. Eu ainda conseguia fazer piadas. Na verdade, me incomodava mais a dor da agulha na mão (eu DETESTO acessos na mão..!) do que as cólicas. Foi nesse estágio que minha querida amiga chegou. Coitada, acho que se soubesse o que viria pela frente, eu mesma faria questão de que ela não tivesse presenciado aquilo. Mas que bom que ela estava lá..!

Rimos, fizemos piada com os programas da TV, comentamos a semelhança da enfermeira com a dançarina Andressa Soares (a Mulher Melancia!), contamos causos. A dor crescia e eu ri até onde consegui. Mas chegou o momento que eu não consegui mais. As lágrimas não vinham: vieram os gritos. E a minha "Mulher Melancia" aconselhava com calma e meiguice que respirasse fundo, fizesse força, dobrasse as pernas. "É como um parto, mas sem o prêmio..!". A doida da minha amiga (bota AMIGA nisso!) chegou a pedir para que eu a mordesse. Se eu o fizesse, não ia sobrar nem osso..!

Resumo da ópera: a dor é lancinante. Gritei, sim. Esperneei, pedi drogas, cesariana, aspirador de pó e até porrada. Nem sei quanto tempo passou. Nada saía, nem sangue. Fiz muita força. Levantava, sentava, pulava e até dançava. E aquele soro no braço..!

Mais força. Um pouco de sangue. Aquilo me tranquilizou, me deu mais coragem para "empurrar". Mesmo assim, já havia amanhecido e eu estava exausta. Vinha cambaleando do banheiro para a cama quando senti um "estalo" dentro de mim. Um líquido lavou o chão, e eu expeli algo que reconheci como o que uma colega de dor e de blog descreveu como um coágulo escuro em forma de rim . Por conta de seu testemunho, achei que já era o feto. Desviei o olhar. Pedi pra Renata chamar a enfermeira, a faxineira, sei lá. Me senti péssima e a dor não passava, parecia piorar. Tentei subir na cama e então veio uma nova contração, que quase me fez perder os sentidos. E, com ela, o feto.

Tentei desviar o olhar, mas foi irresistível. Por um segundo, tirei de minha mente o medo que aquela imagem pudesse assombrar-me o resto da vida. Não sei descrever o que senti ao fitá-lo, mas não foi algo ruim. Se havia alguma sensação negativa, foi eclipsada pelo alívio das dores que desapareceram por completo. As lágrimas finalmente rolaram e murmurei uma prece pessoal por tudo o que aquilo viera representar em minha vida. A Renata me auxiliou a subir na cama e, em segundos, adormeci. Pelo menos seis horas tinham se passado da internação áquele momento.

Acordei um tempo depois- não sei precisar quanto- com uma nova onda de cólica. Senti que algo se desprendia de mim. As dores agora eram esparsas, e sumiam logo após trazer uma enxurrada de sangue e coágulos grossos. Encharquei a cama e algumas fraldas de adulto. Fui levada á US onde o médico constatou que havia sim restos a serem retirados pela curetagem- embora muito pouco - e que eu estava sangrando muito. Ele ficou surpreso até de eu não estar pálida nem sentido vertigens. Saí do consultório caminhando. Um milagre de acordo com meu merecimento.
Da curetagem, nada lembro a não ser a entrada no centro cirúrgico. Dormi e nem lembro de ter sentido sono. Apenas acordei em outro lugar e fiz a pergunta clássica ao primeiro enfermeiro que apareceu: " Já acabou?". Pelo sorriso da resposta, já devia ter acabado fazia era tempo...

Tive alta no dia seguinte, já sem dores. Em cinco dias, o sangramento cessou quase que completamente. Hoje, seis dias depois, a reavaliação mostrou que está tudo bem. Já não tomo mais nenhum remédico, já não sinto mais cólicas. Apenas cumpro mais alguns dias de repouso, e daqui a três meses...quem sabe.

Ah, e um lembrete prático: minha primeira filha nasceu de cesárea. E já que esta dor da expulsão é a mesma do parto, posso dizer com a segurança das duas experiências: VIVA O PARTO NORMAL!!. Não se deixem intimidar pela dor. Ela passa muito mais rápido do que pensamos. Se meu bebê tivesse nascido, teria sido mil vezes melhor passar pela dor ANTES do parto do que enfrentar novamente o pós operatório da cesariana. Eu teria curtido muito mais os primeiros momentos da maternidade sem aquele rasgo na barriga. Não há cólica que pague isso, não... mais uma vez VIVA O PARTO NORMAL!!.


Cicatrizar útero e coração. Regenerar. Renovar. É assim que me sinto: renovada. Como bem disseram os três anjos que acompanhou a tudo de perto (e que aqui na Terra, chamo de amigas) : " A vida continua... na verdade ela nunca parou.Tudo muda, tudo vem. E vem para bem". "Estamos em processo de melhoria contínua" - disse uma outra.




A quem possa estar lendo essas longas linhas, minha gratidão. Seja qual for a história que você esteja escrevendo, meus votos de sucesso e felicidade. E áquelas que compartilham essa intensa experiência, minha empatia, solidariedade e amor. Confiança é a chave. Sempre.

Não, isso não é consolo. Mas ás vezes, pode ser um conforto.

Deus é misterioso e infalível. Sou grata pelas lágrimas que lavam traumas, transformando-os em lições aprendidas. Que o Senhor me faça digna de merecê-las, e jamais esquecer que sou antes de tudo, instrumento do Bem.

sábado, fevereiro 26, 2011

Quando a gente não anda...a vida EMPURRA.

O sonho começou e terminou em datas festivas. Da descoberta da gravidez- a segunda, desejada, esperada, confirmada, festejada! - a outra descoberta trágica: um coraçãozinho de 11 semanas que parou de bater em meu ventre, deixando partido o que há 30 anos em meu peito.

Não, não consegui tomar nenhuma atitude na hora que não fosse chorar, lamentar, buscar uma culpa que não havia onde encontrar. Acho que nenhuma mãe espera conhecer a dor de perder um filho, nenhuma gestante espera outro momento que não seja o parto. Tentar descrever aqueles sentimentos é doloroso e desgastante para quem passa por isso, e inútil para quem nunca passou. Só se aprende vivendo. Vivendo e aprendendo. E tudo é aprendizado. Rezei até encontrar o novelo que me conduziria ao fim do labirinto escuro do luto, onde encontrei a gratidão. Nunca eu me senti tão sozinha- e nunca me foi tão óbvio que tenho amigos verdadeiros. Nunca eu me senti tão desamparada - e nunca eu reconheci tanto o apoio recebido. Nunca eu me senti tão fraca e culpada - e nunca havia conhecido tão intensamente a força do perdão.Nunca eu senti tanta dor - e nem conhecera tamanho alívio.

Ao sair do hospital, não estava mais grávida nem carregava um bebê no colo. Mesmo assim, senti o pulsar da nova vida.

Fui eu que renasci.

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Update: Balzaquiana

Então, tenho 30 anos. Trinta. Achei que isso ia me assustar, me deprimir (será?) me fazer sentir diferente. Que nada. É engraçado pensar que tenho trinta. Trinta. Trin-ta..! *risos*. Não dá nem pra acreditar, parece que estou falando de outra pessoa.
Cá estou eu, trintona, inegavelmente adulta e mesmo assim...

...Bem, vai ver que é por isso que o destino fez questão de tornar esse ano um divisor absoluto de águas em minha vida. E isso porque 2011 está apenas no início.