quarta-feira, abril 07, 2010

Imprevistos...

Ainda bem que este blog só ia durar uns meses.
Posso afirmar com convicção que ele talvez tenha se tornado o registro online mais fiel dessa fase de transformação completa da minha vida. Ele nasceu com o amor que foi o verdedeiro gatilho dessas mudanças e que me guiou até aqui. Sou feliz hoje, muito mais que naquela época. Sou mais completa, mais madura, aprendi um tanto. E já sei que sempre estarei aprendendo.

Hoje acordei apaixonada pela minha vida.

terça-feira, abril 06, 2010

O Vale da Morte

Uma das visões mais marcantes da minha infância é a chama da torre de Cubatão em meio ao nevoeiro da Mata Atlântica, prenunciando a paisagem estranha: Cravada em meio às maravilhas da Serra do Mar, a caveira cinza das indústrias, sempre rodeada por um manto tóxico.Eu era muito pequena para compreender o real significado daquilo, mas minha lógica infantil já me levava a ser assombrada pelos dutos que desciam junto à encosta. Ah, quantos pesadelos tive com estes dutos..!
Eu amava ir ao litoral com a minha família. Arregalava os olhos para cada palmo da estrada de São Paulo até a Praia Grande, litoral Sul. Sabia onde estava cada túnel,cada cachoeira, os melhores panoramas. E também sabia que, em algum ponto do caminho, veria os tanques, as torres e contêineres de uma cidade onde parecia não viver ninguém.

Neste ponto da viagem, era comum meu pai contar histórias medonhas de crianças nascidas sem cérebro, de deformações causadas pela poluição, de cabras nascidas com oito patas... Éramos muito novos, mas já entendíamos dessas coisas de radiação, poluição, a intervenção do homem de forma desastrosa no meio ambiente. Chernobyl era fato recente, e meus pais sempre conversaram com a gente sobre tudo, seguindo o ritimo dos nossos interesses e perguntas- que nunca ficavam sem resposta.Ok, talvez algumas dessas respostas possam causar alguns pesadelos, mas são as questões que nunca serão menos difíceis de engolir, mesmo. Talvez seja uma boa forma de criar uma geração com mais consciência ecológica: contando histórias de terror ambiental para as crianças...

Comigo funcionou. Eu olhava, vidrada, o "Vale da Morte". Suas construções cinza em contraste com a linda floresta pareciam um castelo de vilão de conto de fadas, permanentemente envolto por uma bruma venenosa. Era uma vez um lugar maravilhoso, pujante em recursos naturais, vasto de mangues ricos em biodiversidade, onde os rios encontram o mar.Aí chegou o Lorde Ganância, pisou nas flores, derrubou as árvores, queimou a casa dos animais, destruiu o delicado ecossistema do vale envenenando seus rios e contaminando suas fontes. Trouxe consigo muitos escravos-zumbis, e logo surgiram muitos outros, que se submetem ao Lorde Ganância para poder sustentar-de forma precária- sua família. Por um pouco de dinheiro, o escravo-zumbi entrega sua saúde e a de sua família. Sua energia para ser drenada em prol de uma causa absurda que causará danos irreversíveis para os quais o arrependimento será global e tardio.

Cubatão, onde o vício em dinheiro disfarçou-se sob o nome de "progresso", onde a sede pelo poder foi infinitamente maior que o bom-senso, monumento futuro à arrogância do homem em seu sonho ilusório de supemacia...Cubatão, tenho medo de ti, por tudo o que representas, mas tenho ainda mais medo daqueles que não enxergam teu sinal...A tragédia humana nas vidas dos que te habitam já vai muito além do Socó e das crianças deformadas: são cidadãos de uma terra fundada em honra a um falso Deus, um reinado de ambição erguido sem qualquer respeito às verdadeiras riquezas que lá outrora existiam. Um patrimônio essencial foi destruido. A máquina de destruição não poderia encontrar local mais estratégico. E, pelo benefício de poucos, muitos são massacrados. É um sistema cruel, o que permite isso.

Sinto uma coisa estranha no peito, uma certeza de que a Mãe Natureza, que têm dado mostras do fim de sua tolerância com esse tipo de abusos, vai cobrar em breve pelo erro de Cubatão. Um preço do tamanho desse erro, do tamanho da dor de todas as mães das crianças mortas ou anacéfalas, proporcional à riqueza dos mangues agora depósitos de lodo tóxico, um preço que só irá se pagar quando a Serra do Mar tiver conseguido erradicar de vez o rastro humano em seu território. Mas o tempo da Natureza é eterno. o nosso é limitado, e muito curto. Talvez eu viva para ver Cubatão sendo engolida por deslizamentos, sufocada por seus tóxicos ou ardendo em suas chamas. Mas é certo que nesta vida não poderei vê-la como era antes mesmo de eu nascer, antes da indústria chegar, caminhar descalça em seus mangues, beber água de qualquer bica.

É, meu amigo... "a humanidade que salve a si mesma..."