quarta-feira, julho 07, 2010

SAVANA AOS 18 (2010)

...a maioria dos meninos à minha volta não valia tanto a pena assim.O único que ainda me deixava curiosa pra provar desse fruto era o loirinho da P3.Ah! Com ele eu sou capaz até de sonhar algo bem sujo, bem inconfessável, aquela coisa bem "noir", do cara que chega todo cheio de pose no bar e olha aquela garota com jeito de ordinária, encostada numa mesa de sinuca. Ele olha para ela com um jeito bem sexy e vem se aproximando, fixo no decote dela, que o encara cheia de desejo, e ele pergunta com aquela voz máscula...
-Tem fogo?
-Tenho... só não tenho cigarro!

Seria a desculpa para um beijo agarrado, e a história poderia partir daí para uma censura 18 anos, mas ali, na vida real da escadaria do cursinho, eu estava estática, embasbacada, totalmente imobilizada, mutificada, mumificada, zumbizenta e querendo MORRER de vergonha. Não sabia o que era mais inacreditável: o fato dele ter vindo falar comigo, ou aquela resposta altamente TOSCA que eu havia dado.
- Tá na mão!- ele puxou uma caixinha e me ofereceu cigaros. "Eu..." -comecei a falar, mas desisti. "Eu não fumo", afinal de contas, não era a mesma coisa que "Eu nunca fumei". Eu não perderia essa oportunidade, precisava oferecer esse sacrifício do meu pulmão a alguma coisa que valesse a pena. Conhecer o maior gatinho da Av. Paulista!

Colocamos os cigarros na boca, eu ainda não conseguia parar de sorir.
-Sim, e o fogo?
-Ah, é!

Comecei a revirar a mochila, procurando um "isqueiro". Óbviamente, não encontraria nada- não TINHA nada ali. Comecei a esboçar uma cara de injuriada "mas eu tinha CERTEZA de que estava aqui..!". Enquanto isso, passou um moço fumando, ele pediu o fogo, acendeu. Interrompeu minha "expedição" dentro da enorme mochila e pediu meu cigarro, para acender. Acendeu e me devolveu.
-Obrigada.
-De nada.

Mas ao invés dele virar as costas e ir embora, como a maioria dos alunos já havia ido, ele ficou ali, parado na minha frente. Primeiro eu tive a impressão de que ele estava me desafiando a dar a primeira tragada, como se soubesse que eu nunca havia fumado. Depois vi que ele estava apenas sendo agradável, puxando conversa.

-Fez o simuladão?
-Fiz, mas não peguei meu resultado ainda.
-Nem eu. É só um simulado.
-Mas os melhores lugares ganham prêmios.
-Não acho que estou em lugar de ser premiada.
-Nem eu.
- Vai prestar vestibular para quê?
-Ainda não tenho certeza.
-Nem eu. Olha quanta coisa temos em comum.
-A incerteza é uma coisa estranha de se compartilhar...
-Olhaí, já mostrou talento pra Filosofia.
-Todo maluco acha que é filósofo...

Ficamos ali conversando um tempão e fumando (a certo ponto eu pedi liçenca para ir ao banheiro e comprei um isqueiro, que "achei" na minha bolsa). Descobri muito mais que apenas seu sonhado nome.Quando o sol começou a baixar, é que nos despedimos. Ele me deu três cigarros "pra fumar enquanto esperava o ônibus". Assim que nos perdemos de vista, tirei da bolsa um tubinho de Vitamina C, coloquei a última pastilha no bolso, enfiei os cigarros e o isqueiro no tubinho e meti no outro bolso da calça largona de moletom branco.Coloquei os fones de ouvido, aumentei o volume, e os ruídos da cidade desapareceram sob o meu sonho. O ônibus virou carruagem e levou a princesa de volta a seu castelo, onde foi perdendo não apenas o sapatinho, mas as meias, a blusa, a camiseta, e toda a roupa no caminho até a ducha...
-Minina, não deixa tudo jogado desse jeito! - ralhou Maria, funcionária da casa desde que Savana era bebê.
-Ah, Mariazinha, hoje eu posso, que sou princesa. Acabei de encontrar meu Príncipe Encantado..!
-Ôxi! E ele já sabe disso?
-Tem coisas, Maria, que as pessoas não precisam saber...


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- Caraca, o cigarro!
Freei o carro na mesma hora. A Paola quase veio beijar o pára-brisa dianteiro.
-Tem cigarro aqui, sua noiada! - Brunette riu.
-Não, pô, eu esqueci meu cigarro no bolso da calça!E minha mãe vai separar a roupa suja antes de dormir, e vai achar!!- meu desespero se justificava por estar vendo perfeitamente a cena: minha mãe tateando os bolsos da calça, encontrando aquele tubinho de Vitamina C, abrindo para ver se estava vazio e -surpresa!- cai três cigarros e um isqueiro. Panorâmica e sobe, fechando no rosto dela. Vai, vai, no olhar. No olho. Na gota de suor escorrendo pelo canto do olho. E a voz furiosa em off:SAVANAAAAAAAAAAAAAA..!
-Tua mãe não sabe que você fuma?
-Paola, nem EU sei que fumo, esqueceu??
-Tá,tá,tá...Sem desesperoooo...Savana, quer voltar?
-Cê tá maluca que eu vou entrar em casa cheirando à maconha, e com o maior bafo de cachaça!
-Mas você não tava fumando!- testemunha Paola
-Nem bebendo! - emenda Paloma
-Há, há, há...ai, e agora, como eu saio dessa...- comecei a pensar mil coisas ao mesmo tempo, enquanto as meninas matraqueavam entre colheradas daquela gelatina envenenada. Eu sabia que aquilo não iria acabar bem, mas ia falar o quê?
De volta ao meu problema, peguei o celular e liguei para minha mãe.

-Oi, mãe. Faz um favor pra mim? Eu tô voltando pra pegar o meu cartão do banco, que esqueci na gaveta da escrivaninha lá atrás, você pode pegar ele pra mim e me entregar aqui no portão? Tô aqui na avenida, já. Valeu, mãe, te amo!

-O quê você tá fazendo, Ana?

Dei meia-volta no carro e desci a rua na contramão, à toda. Repassei o plano na minha cabeça: se quando me atendeu mamãe estava na sala (e deveria estar, porque era hora da novela), ela precisou esperar o próximo comercial, atravessar a casa, o quintal (o que era quase sempre um pouco demorado por causa dos quatro cães-fila de estimação), subir no meu apartamento, destrancar a porta, atravessar o quarto e fuçar na escrivaninha. Levaria uns 5 minutos. Eu precisava chegar lá em três. Mas acho que dava para fazer em 2 e meio.

-Savana, sua MALUCA, você vai matar a gente!
-Se eu não fizer isso, minha mãe vai ME matar!

Reduzi um absurdo para entrar no condomínio. Acho que demorei mais do portão do condomínio até em casa do que no caminho todo de volta. Mas eu não podia chamar a atenção. Já tinha sido ousadia demais essa escapadela.

-Fiquem quietas, pelamorrr! - saí do carro e entrei correndo pela lateral da casa, que ia direto á área de serviço. Minha mãe ainda estava indo buscar meu cartão. Nos encontramos quase na porta da lavanderia, mas por sorte, em lados opostos da piscina.

- Savana! Veio buscar..?
- Pode ir ver lá pra mim, mamãe? Eu vou olhar se não esqueci no bolso da minha roupa suja.
-Então vai lá no seu quarto que eu olho na lavanderia e aproveito para separar a roupa...
-NÃO! - é que...é que aí se estiver aqui eu não preciso subiiiir até lá, né... É que a gente tá atrasada, quer dizer, EU tô... -fui dizendo isso e correndo pra lavanderia. Minha mãe foi subindo para o quarto. Ela tá acostumada com isso: minha família inteira, quando está com pressa, não fala coisa com coisa...
Mexi em dois cestos da minha altura, cheios de roupa suja, para me tocar de que mamãe separa as roupas brancas numa outra bacia. Achei. Enfiei a mão no bolso, resgatei minha "vitamina C" e saí vazando:
-Achei, mãe! Tchau, já vou!
-Vai com Deus, minha filha! - ela berrou lá do apartamento.Com certeza não tinha nem chegado até a escrivaninha, ainda.

Voltei para o carro, que agora parecia um café holandês. O pote com a gelatina estava vazio, e aquelas quatro idiotas ainda queriam ficar MAIS doidonas?

-Ei, a noite tá só começando, turma.
-Pois éééééééé..! -repetiram as gêmeas, com uma preocupante e equivocada empolgação.

**********

Acordei com tanta dor-de-cabeça que nem conseguia abrir os olhos. A boca estava ressecada e com gosto de pneu de caminhão.Parabéns, Savana, essa é a sua primeira ressaca!- eu cuidaria para que fosse a última. As últimas 24 horas estavam parecendo rumspringa. Aquele ritual amish onde os adolescentes experimentam a vida longe de sua cultura rígida.
A voz forte do meu pai ressoava por toda a casa e fazia vibrar meu cérebro alcoolizado. Mesmo ali do apartamento dava para ouvir claramente aquele seu tom de descontentamento. Por causa do seu tom de voz, meu pai não falava: trovejava. Não gritava: rugia. Me assustei. "Pronto, agora eles descobriram tudo, e estão discutindo para qual colégio interno ou país muçulmano vão me mandar pro intercâmbio!"- pensei.
Vesti o roupão por cima da camisola e fui atravessando o quintal cautelosamente, tentando compreender melhor sobre o quê esbravejava meu pai

-Mas como, meu bem, você esqueceu de olhar os bolsos da roupa suja, e a Dona Maria não olhou também?
-Não, amor, eu sempre olho, mas ontem a Savana passou aqui e eu me atrapalhei...
-Era minha melhor camisa de reunião, eu queria usá-la hoje..!O quê são essas manchas laranjas?
-Não sei, amor, só tinha peças brancas na máquina, com certeza ela deve estar com algum defeito..!

Defeito eu não sei. Mas se era gripe, passou...

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