domingo, outubro 03, 2004

Sofácracia

O dia já estava claro quando fui me deitar. E ás oito, já tocava o despertador, arrancando-me de uma série de sonhos deliciosos, escandalosamente chamando a cereja aqui para suas obrigações cívicas...
Sem abrir os olhos, desliguei o despertador e voltei a dormir. E com certeza teria dormido o dia todo, se não fosse minha mãe literalmente soltar os cachorros em cima de mim. Levantei resmungando e fui tomar banho e me vestir. "Que m..!"-pensei-"Puts ressaca, puts dia feio...e eu ainda tenho que ir votar?"

A zona eleitoral é bem perto de casa. Frio. Arrasto minhas botas pelo quarteirão. Ué...cadê bandeiras, adesivos, santinhos? Boca-de-urna é proibido, mas todo mundo faz... Esse ano tão respeitando? *risos*. Vamos lá, segundo andar, enfrentar a fila...Que fila? Cheguei, votei, saí. Em menos de cinco minutos. Encontro meu irmão na saída."Vamos almoçar uma pizza hoje?". Vamos. E no caminho,ainda com sono, vendo o começo de chuva molhar os vidros do carro e esfriar ainda mais o clima, fico pensando...Será que, se o voto não fosse obrigatório, nessa eleição alguém de fato sairia pra votar?

As ruas vazias. Nada como as eleições da minha infância já meio distante, quando carreatas proibidas, camisetas, bandeiras e zilhões de santinhos distribuídos por alegres e barulhentos cabos eleitorais, enfeitava (e sujava...) as avenidas da cidade. Lembro que meus pais iam votar cedinho, e passávamos o dia nas ruas fazendo campanha e curtindo a festa. Tenho mais lembranças festivas das eleições que dos carnavais. E naquela época, cabos eleitorais de todos os partidos se enfrentavam aos berros, a disputa era pra ver quem fazia mais barulho. Mas tudo na amizade, na curtição. Anos a fio nessa bagunça, e nunca vi uma única briga sequer entre cabos eleitorais de partidos diferentes. No fundo, todo mundo só queria se divertir.

Mas dessa vez, quase nada. Um ou outro pequeno foco de movimento. Poucos cabos eleitorais, cansados e desanimados pelo frio e pela chuva. Desisti de ir conferir o movimento na Av.Paulista. Não deveria estar mais do que morno. Morno como foi toda a disputa entre os três principais candidatos. Disputa essa que, outrora, era sempre emocionante.

"Que raio de democracia é essa"- resmunga um eleitor desinteressado -"Em que o voto é obrigatório?"

Eu que pergunto...Que raio de país é esse em que, se o voto não fosse obrigatório, neguinho não levantava do sofá para exercer seu direito máximo de cidadania?

Senti vergonha do que pensei ao acordar. E por um momento, senti vergonha por todos os milhões que, certamente, compartilharam do meu pensamento.

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