domingo, abril 24, 2011

(09/10/2009) - Pipocas

Hoje de manhã, minha filha Julia, de dois anos e meio, acordou mais cedo, antes que eu terminasse o grosso da faxina do apartamento – coisa que só consigo fazer enquanto ela ainda está dormindo, e não me obritando com suas perguntas – e pedi, educadamente, que ela ficasse sentada assistindo o DVD da “escola de Princesinhas” pela 9.645.233 vez. Prometi que, se ela o fizesse, ganharia pipoca mais tarde (ele AMA pipoca). E ela concordou. E – melhor ainda – cumpriu a promessa.
Bom, lá vou eu pagar a minha parte, então.Fui fazer pipoca para ela. E chamei-a junto, para olhar. Eu entendo por quê ela faz questão de olhar: eu lembro que eu também era cheia dessas coisas. Outro dia, assistimos juntas a um ciclo completo da máquina de lavar. Tá rindo, é? Pois é, hoje em dia eu também não faço a mínima idéia de por quê alguém ficaria assistindo a uma coisa destas. Maaaas...Eu confesso que lembro de ficar. E lembro de gostar disso. Aliás, é bem vívida a minha lembrança de estar com meu irmão, sentada na máquina de secar, assistindo a ciclos completos de lavagem da lavadora de roupa. Eu lembro até que imitávamos o barulho que ela fazia: “Tchu-tchu-tchuuuu..!” (se meu irmão ficar envergonhado e me desmentir, eu chamo nossos pais de testemunha!)
Aí, tive uma idéia: pedi-a para procurar a pipoca. Queria “testar”o quanto ela conhece da nossa casa. Logo, ela foi me arrastando para a cozinha, e na cozinha, apontou para o armário. Pedi para que ela abrisse o armário e pegasse a pipoca. Ela abriu o armário, mas me pediu para pegar a pipoca. Acho que desconfiou, pois sempre que ela tenta mexer no armário, ouve um “NÃO MEXE!”. Disse que ela podia ir em frente e ela começou a procurar.
Logo de cara, achou um copão de plástico, daqueles onde se colocam as fichas nos cassinos ( eu nunca fui num cassino, mas já vi esse mesmíssimo copo num filme, e sei que aquele copo na mão da Julia veio de um cassino em Lãs Vegas). Distraiu-se com o compo : “Olha! Gandão! Tem cartas..!”... Lembrei-a que o foco da procura eram as pipocas umas duas vezes, mas depois fiquei observando o que ela faria. Ela foi até o bebedouro, colocou um pouco de água no copo, bebeu, me entregou o resto e voltou a procurar as pipocas. Fico imaginando se passou pela cabeça dela algum pensamento assim: “Olha! Que copo diferente! Como deve ser beber água nele?”
De volta ao armário, Julia continuou procurando e chamando: “Pipocaaaaa...cadê você..!?”. Resolvi auxilia-la:
-Olha, filha, está neste pote! – e lhe mostrei um pote de plástico cheio de pó de sucos, sopas instantâneas, temperos desidratados e envelopes afins. As pipocas de microondas eram as últimas coisas no pote. Mas a Julia foi direto a elas, sorrindo:
-Ah, achei! Taí, pipoca!- E me entregou, triunfal, o envelope.
Comemoramos. Eu abri o pacote, desdobrei o envelope das pipocas e coloquei no microondas. Apertei a TECLA PIPOCA ( o grifo é em homenagem a ele: perguntemno sobre esse grande avanço da tecnologia!) e peguei a Julia no colo para que ela observasse a transformação do envelope chato num prático e saboroso saco de pipocas. A Julia vibrava : “Que gandão!”, e quando o microondas apitou ela mesma declarou : “Tá pronto pipoca!”
Enquanto aquele pacote inflado e aromatizado de manteiga esfriava, fiquei lembrando do que aconteceu em minha vida em todas as vezes em que pedi para minha mãe fazer pipoca para mim: ela pegava uma panela , colocava óleo (ás vezes manteiga ou bacon) , colocava o milho e sacudia a panela até não ouvir mais os estouros. A maior sensação em preparo de pipoca lá em casa foi quando popularizaram aquela panela pipoqueira cuja tampa tem uma manivela.
Depois de pronta, a pipoca era colocada geralmente numa bacia de plástico ou “tupperware”. Isso, é o que eu tive como “fazer pipoca” por praticamente 26 anos. E, na casa da minha mãe, ainda é assim até hoje.
Mas, depois que saí da casa de meus pais, nunca mais tive uma pipoqueira. E como a Julia na época tinha pouco mais de cinco meses, pode-se dizer que, tecnicamente, a única noção de pipoca que ela tem é muito, mas muito diferente da que a que eu reconheço como a mais familiar e legítima. Para ela, pipoca é um envelope que se coloca numa geringonça que não esquenta, apertamos um botão e esperamos um pouco. Dali sairão pipocas fumegantes, já acondicionadas num prático saco. É só abrir e comer.
Sei não, mas se na minha infância me descrevessem um processo desses, eu ia achar que era coisa de desenho dos Jetson...
O mesmo, penso, poderia dizer da sopa instantânea, dos sucos em pó e dos caldos em cubinhos no armário. Não que isso não existisse na minha infância. Mas era tão comum na minha casa quanto na casa de infância das nossas avós, acho. Meus pais nunca gostaram de nada disso. Era muito raro ver um cubo de caldo ou um envelope de suco na despensa. O velho microondas – que, ao que me lembre nunca passou justamente desta função: ser uma máquina de fazer pipocas – existe até hoje, ocupando o posto de “armário de guloseimas” na cozinha. Não é ligado há tanto tempo que ninguém sabe se ainda funciona.
Comecei a perceber o quanto a realidade da infância da minha filha é diferente da minha. E como será ainda mais diferente sua adolescência e maturidade. Se é tão diferente assim num ritual tão simples quanto fazer pipoca, imagine em contextos sociais mais significativos. Nesse momento, imaginei que deve caber à mim manter essa consciência, e me esforçar a, numa maneira condizente, sempre acompanhar essas mudanças, conhece-las, aceita-las, senão mudar com elas. Para poder estar sempre em sintonia com o pensamento de minha filha e da realidade atual, seja ela qual for. É um pré-requisito básico para qualquer um que pretenda uma carreira longa e de sucesso em qualquer área. E eu pretendo investir bastante em maternidade! Acho que porque, no mínimo, tive uma boa mãe. Não uma mãe perfeita, mas uma mãe cujos conselhos e valores tiveram toda a valia nas minhas maiores decisões, e eu acho que isso foi reflexo de uma boa criação que recebi de meus pais. E nunca tive dúvidas de que eles fizeram o melhor possível por nós. Tive uma infância e uma adolescência ótimas, cheias de interesses saudáveis.
Não que eu ache impossível, mas me pergunto: será que isto é saudável? O mundo de hoje em dia, sob todos os sentidos, está mesmo só piorando? A humanidade está mesmo se tornando a cada dia menos viável? Seremos extintos por problemas a longo prazo causados por nós mesmos?
Não só a poluição, mas os vícios sociais, a ganância, a vaidade a qualquer custo, a vulgarização da mulher, os conflitos religiosos, o preconceito...
A sociedade idolatra pessoas que nada fazem para o bem da espécie. Pelo contrário. As mulheres acham normal expor-se por dinheiro, e ninguém sente-se pessoalmente ofendido pela corrupção na política. O casamento não é mais sagrado e a mulher que recusa-se a casar e ter filhos para comprometer-se apenas com o dinheiro e a aparência é vista como um exemplo de independência. De que adianta quebrar tabus e desprezar os valores verdadeiros ao mesmo tempo? A cada passo que a tecnologia humana dá pra frente, a moral da humanidade dá dois para trás. É muito legal ser ecologicamente correto, promover a sustentabilidade, abraçar a causa dos recicláveis e apoiar o modo de vida dos povos da floresta. Mas não seria muito mais legal se o meio ambiente tivesse sido respeitado desde o princípio? Imagina como seria o mundo se nunca tivesse sequer passado pela cabeça de um ser humano, poluir um rio, jogar um lixo na rua, soltar gases venenosos na atmosfera. Será que estaríamos menos ou mais avançados tecnologicamente? Imagina se fôssemos obrigados a, desde o princípio, criar nossas ferramentas e sistemas com impacto ambiental próximo do zero. A que pé estaria a vida na Terra agora? Será que ainda assim, estaríamos em frangalhos por causa de guerras ideológicas? Como seriam as guerras ecologicamente corretas? E por quê elas aconteceriam?
O que motivou as primeiras guerras não-territoriais da humanidade? Como surgiu o preconceito e a intolerância? Existiam homens preguiçosos na pré-história? Como era no passado, que nos trouxe ao presente dessa forma?
Tudo isso parece distante, desimportante, mas fica assustadoramente real quando faço pipoca para minha filha.

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