domingo, abril 24, 2011

O pinheiro da Rua Tapés

Quando era criança, a caminho da casa de minha avó, sempre parava para observar um pinheiro alto, tão alto que seu topo parecia tocar o teto do céu. Vai ver era por isso que seu pico se curvava amassado pelo limite do infinito.
Anos depois, já adulta, por algum motivo passei novamente por aquela rua onde durante anos não havia caminhado. Do outro lado da rua, olhei para o pinheiro, que ainda estava lá. Seria o mesmo? Não poderia ser. Sua copa não era muito mais alta do que tantas outras árvores comuns na vizinhança.
Na esperança de sanar a duvida, atravessei e fui colocar-me bem debaixo do pinheiro. Olhei então para cima, e ai sim, reconheci a encantadora arvore de minha infância: apontando para o zênite e para o chão ao mesmo tempo, com sua ponta ainda caída.
Os anos passados em nada modificaram o velho pinheiro. E muito pouco acrescentou a minha baixa estatura. Mas pela primeira vez eu conseguia notar a revolução que haviam causado em meu ponto de vista. Percebi que pela primeira vez, eu estava do outro lado da rua. De acordo com o caminho que tantas vezes trilhara, de minha casa a casa de minha avó, eu nunca precisaria passar pelo outro lado da rua. E, acomodada nesta lógica, acho que acabei esquecendo de que sempre pude, a qualquer momento, atravessar a rua. Mudar meu ponto de vista, ao invés de acreditar na obrigatoriedade de sempre contemplar o pinheiro de baixo para cima.
E percebi também que esta mudança não poderia afinal vir de uma simples epifania. Para atravessar a rua eu precisei crescer para não estar mais presa a mão de minha mãe, por necessidade nem por medo. Precisei ter vontade e opção de refazer aquele caminho que já não necessariamente levava a lugar algum desde que minha avo se mudara. Precisei do acaso que me colocou do outro lado da rua. E da forca de um velho habito: o de olhar, infalivelmente, para o pinheiro. Tudo isso me levou a finalmente, colocar uma antiga situação sob a luz de uma nova realidade. E a compreender.
Nem o passado e imutável.As transformações do nosso presente definem nosso futuro e constantemente alteram nossa percepção das experiências vividas. Tristezas podem virar aprendizado. Dificuldades se transformam em superações. Riscos se convertem em recompensas. Ou conseqüências.
E tudo, por fim, tornam-se lembranças. Como o pinheiro alto de ponta torta, que hoje não existe mais.

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