quarta-feira, março 21, 2012

Duvido cê ler até o final..!




-Demora muito?
-Uns trinta minutinhos.
Pronto: Já foi o suficiente para eu considerar meu dia como acabado. Havia feito um minucioso
planejamento onde cada segundo contava, para conseguir terminar as tarefas do dia. Poderiam ser trinta minutinhos para ele. Pra mim, seriam três horas perdidas. Eu jamais conseguiria chegar à tempo lá na pequepê se levasse trinta minutinhos pra sair dali. E agora?
-Sabe onde tem um telefone público?
-Depois da banca de jornal.
-Vou fazer uma ligação e já volto.
-Como quiser.

Saí fula da vida da gráfica, já discando o número da Renata. Eu detesto telefonar na rua, parece que ninguém entende o que a gente fala. Eu dificilmente entendo o que me dizem, se tem aquela muvuca de rua em volta. Mas eu estava tão nervosa que naturalmente estava quase berrando.

-O cara disse que vai levar meia hora ainda.
-Essa não! Não vai dar tempo de você chegar no Guairá se demorar pra sair daí.
-Genial. Conta uma coisa que eu não saiba, agora..!
-Faz o seguinte... vai pro Guairá. Eu tô indo pra aí, vou pegar os cartazes.Depois te encontro.
-Me encontra como?
-Sei lá, eu te ligo, qualquer coisa. Vaza daí, deixa o resto comigo.

Passei na loja, avisei ao solícito atendente que uma outra moça iria retirar os impressos e fui aos
trambolhões em direção à escadaria do metrô. Por sorte, um trem chegou no momento em que alcancei a plataforma de embarque. Estava quase vazio, àquela hora era fácil viajar sentada. Tirei do bolso o papelzinho com o endereço de onde devia ir, quase na divisa da
cidade. Ainda vou entender por quê esse tipo de coisa sempre fica tão longe.
Metrô, busão, cinco quadras caminhando, a última era uma ladeira daquelas: parei pra tomar
fôlego umas oito vezes em cem metros. Na outra esquina o Guairá sentado na porta da casa, queimando uma espécie de incenso, fedido que só. Não demonstrou nenhuma surpresa em me ver. Achei que nem me reconheceria depois de tantos anos e tinturas de cabelo.

-Emília, que bom te ver..!
-Salve, Guairá...
-Vamos rápido, tá quase na hora.
-Eu me atrasei na gráfica, a Renata tá trazendo os cartazes.
-Ah, hum...-ele pareceu não dar importância ao assunto.
-Que porcaria é essa que você tá fumaçando aí?
-Caroço de azeitona. Espanta tudo, não fica um..!
-Eu não sei do quê você está falando, mas isso aí espanta qualquer coisa. Você
não vai trazer isso aí pra dentro, né?
-Não, aí dentro não precisa...

Ele largou a tal maçaroca de caroço em brasa e abriu a porta da casa, fazendo um
gesto cavalheiro e antiquado para que eu entrasse.O segundo passo para dentro soou como algo delicado que se quebrava debaixo do meu pé. Olhei pro chão e ele estava forrado de vagens secas de sibipiruna. Aquelas mesmas que toda criança não perde a chance de
pisotear, por causa justamente dos estalos. Olhei pro Guairá, que tinha um sorriso ansioso no rosto, esperando minha reação. Entendi na hora que as sementes eram pra mim, e ele tentava ler o feedback na minha expressão.

-Catei um saco enorme delas lá no parque. Trouxe no ônibus mesmo.- e,
interrompendo-se como quem deixa escapar um segredo, comentou com voz e olhar mais baixos em tom de confessionário. - Ninguém se importou.

Não entendi se ele estava se desculpando ou lamentando, só emendei: “Que bom que
você as trouxe, foi muito gentil da sua parte preparar tudo isso pra mim.”
-Eu me importo com você.
-Sei que sim. E nós dois nos importamos com a humanidade, Guairá. Já está na hora?
-Já, já! - ele tomou a dianteira pelo corredor escuro, fazendo crec-crec-crec. “-O interruptor pra ligar a lâmpada é no final do corredor, ao lado da porta do cômodo para onde estamos indo,então não vale a pena acendê-la.

Entramos numa suíte ampla e avarandada onde o Guairá tinha montado seu
laboratório ou observatório- sei lá como chamar as centenas de engenhocas diferentes que ele operava ali.Só distinguia o telescópio, o quadro branco e o computador. Os frascos, tubos e
serpentinas me eram familiares desde os tempos das aulas práticas de química no colégio, mas eu não tinha a menor ideia das substâncias que o Guairá trabalhava ali, e nem como. Minha única
certeza é de que ele era a única pessoa ao meu alcance que poderia auxiliar naquele momento.
Ele atravessou o quarto apressado e ligou uma TV presa a um suporte. Estava passando
um comercial.

-Ótimo, temos tempo até começar o Festival de Desenhos. Emília, você trouxe os
cartazes?
-A Renata vem trazer.
-Ótimo. Nas passadas 24 horas as tempestades solares quase dobraram de
intensidade. Não sei se vão ficar assim, se vão abrandar ou piorar.
-Mas querido, deve ter gente grande monitorando isso. Acha que a NASA não sabe? Até a
nossa aeronáutica deve estar ciente..!
-Lógico que eles sabem, mas não vão falar nada. O que você acha que aconteceria? No
mínimo pânico mundial. Ninguém quer uma coisa dessas.
-Nós temos as provas. Podemos denunciar.
-Nós também não queremos pânico.
-O que pode ser feito?

Ele cruzou os braços, apoiou a cabeça na mão e suspirou.
-Podemos cuidar da gente. Cadê a Renata com os cartazes?
-Acho que lá pelo segundo intervalo ela chega.
-Certo. Eu vou assistir meu desenho. Você fica na máquina.
-Peraí, Guairá, que máquina?

A de escrever. Preciso de você pra redigir uns memorandos.


2 comentários:

aleddie disse...

Eu li ;)
Bem vinda ao apice do ciclo de tempestade solares que so acontece de 12 em 12 anos que nesse ano já teve a 1 que bateu recordes...em anos anteriores apagaram 2 cidades de uma so vez

Rosa Moraes disse...

Ah, relaxa que depois de dois dias sem celular nem internet geral começa a levar a sério...hahaha