Acho que todo mundo aqui se lembra da tragédia de Beslan, em 2004. Há um filme sobre o ocorrido, um documentário chamado "As Crianças de Beslan", que está sendo exibido na TV a cabo há algum tempo, mas que eu nunca tinha conseguido assistir por passar sempre em horários absurdos, altas madrugadas ou nas primeiras horas do amanhecer. Tentava me programar, mas nunca dava certo e eu acabava deixando pra lá.
Pois é. Só que outro dia eu acabei me deitando para assistir a um filme e dormi com a TV legada. Aconteceu de eu acordar novamente bem na hora em que o documentário estava começando. Prendi o sono, coloquei palitinhos nos olhos e agüentei firme.
Pra não dormir mais nem um segundo pelo resto da noite.
Esqueçam tudo de mais assustador que vocês possam ter visto em qualquer ficção barata. Esqueçam o pior dos desconfortos causados pelas imagens chocantes de quaisquer outros documentários sobre tragédias inumanas. "Crianças de Beslan" não choca com o realismo gráfico, não apela para o banho de sangue e lágrimas que resultou da situação. "Crianças de Beslan" é basicamente um vídeo de entrevistas, onde crianças de no máximo uns 11 anos, falam. Falam desembaraçadamente, quase que friamente, sobre os momentos mais dramáticos que um ser humano poderia enfrentar. Falam sobre uma violência sem-nome, sobre testemunhar a morte em suas piores apresentações, e não só de estranhos e vilões, mas de amigos queridos e até dos próprios pais. Falam sobre revolta, ódio e vingança com uma serenidade perturbadora. Uns podem achar que é porque nâo sabem o que dizem. Mas olhe nos olhos deles e você verá que a fonte dessa serenidade é ainda mais terrível: é o reflexo do vazio deixado pela tragédia. A segurança de um coraçãozinho que endureceu ao máximo, justamente quando ainda deveria estar desabrochando para a vida.
Um dos meninos entrevistados inclusive reconhece isso. "As crianças de Beslan não são mais crianças.". Isso fica óbvio durante o filme. Mas ainda assim eu poderia concluir que a tragédia de Beslan pode até ter deixado jovens sobreviventes.
Mas todas as crianças morreram naquela escola.
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